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quinta-feira, 26 de abril de 2012

Evitando situações sem retorno


Não devemos jamais entrar na frequência do Ego. Quem entra na frequência dos desejos se torna incapaz de livrar-se dos seus resultados. Nesse sentido, há necessidade de empenho e férrea determinação para resistir às identificações.

Há situações sem retorno, das quais não saímos sem que o ego tenha se alimentado, fortificado e satisfeito. São situações irresistíveis, em que perdemos completamente o controle de nós mesmos e nas quais o ego forçosamente se manifesta com todo o vigor. Um luxurioso não resistirá à tentação de fornicar se entrar em um prostíbulo, um viciado em jogos não resistirá à tentação de jogar se entrar em um cassino. Enfrentar tais situações é o mesmo que atirar-se contra uma parede: você inevitavelmente se arrebentará. 

É uma tolice enveredar por caminhos e situações que obrigatoriamente promoverão a manifestação livre e desenfreada dos egos. A desculpa de fazê-lo com o intuito de conhecer a si mesmo ou de aperfeiçoar-se não passa de uma estratégia de auto-engano. A Morte exige que abandonemos todas as formas de nutrição do ego. Situações irresistíveis, que forçam fatalmente a manifestação dos desejos contra todas as nossas tentativas de enfraquecê-los não devem fazer parte da nossa vida. A gama de situações fatalistas é imensa.

Todo ato que, de alguma forma, esteja relacionado a um defeito o fortifica. Temos que vigiar os atos e corrigi-los, retirá-los, mediante a Morte em Marcha. Através da fala, milhares de defeitos se fortificam; através dos movimentos (andar, gesticular, deslocar-se), outros tantos; através dos pensamentos, outros mais. Em muitos casos, somente o fato de percebermos determinados objetos acende o desejo. Se nos entretemos ali, com o defeito evocado, estamos lhe fornecendo energia. Embora não devamos reprimir e tenhamos que permitir que aflorem espontaneamente, não devemos ficar passivos diante da manifestação, alheios à mesma, sem nada fazer. Diante da mais tênue manifestação, temos que reagir imediatamente, não com repressão, mas com oração pela Morte.

É um erro comum percebermos o afloramento de um defeito e, ao invés de orarmos imediatamente pela Morte, nos entretermos prestando-lhe atenção, enquanto vamos enveredando pelo beco sem saída. Se me limito a prestar atenção a um desejo, enquanto ele toma força, terminarei simplesmente possesso. Entrarei em um beco sem saída, do qual somente poderei sair derrotado. A crença de que a simples atenção o enfraquecerá é falsa. 

Morrer é descobrir e retirar da vida os atos que nos levam às situações sem volta, nas quais o Ego fatalmente toma o inevitável controle. Deixar-se arrastar para tais situações é agir equivocadamente. Melhor é  aprender a agir bem antes e desviar o caminho mediante a Morte em Marcha.

Se não sou capaz de olhar para uma mulher bonita sem sentir desejo, então por que devo olhar? Melhor é não olhar e não percebê-la. E para não percebê-la, devo aplicar a Morte em Marcha no impulso motor de dirigir o olhar para as partes mais desejáveis do seu corpo.

Entre o Ego e o Ser temos que tomar uma posição definida. Temos obrigatoriamente que nos definir: de que lado queremos ficar? Quem não se define e, mesmo assim, tenta morrer, fica estancado por tempo indeterminado, talvez por toda a vida. Não é possível morrer quando não nos enraizamos no Ser.

Estar definido pelo Ser é ser radical com tudo o que seja Ego, não deixando que nada escape. O Ego é como uma praga: ressurge facilmente de qualque resíduo que seja deixado.

A auto-observação tem a a função de nos levar a descobrir os caminhos equivocados que trilhamos rumo às situações sem retorno. A reflexão nos permite fazer um levantamento de todas essas situações em que diariamente caímos. Quais são as situações sem retorno em que caímos diariamente? Por onde chegamos até elas? Quais foram os detalhes que nos levaram até as mesmas? O Ego nos prega muitas peças e monta armadilhas. 

terça-feira, 17 de abril de 2012

Alcançando e preservando os momentos de paz interior

Após a satisfação do desejo, ele nos dá uma trégua e muitas vezes nos arrependemos. Há, por assim dizer, um vácuo ou ruptura em sua manifestação. Uma vez alimentado, o desejo se afasta temporariamente, somente para retornar com mais poder sobre nós em seguida, pois colheu energia e se nutriu. A satisfação exige identificação e arraiga fortemente o desejo em nossa personalidade, reforçando e criando sanskaras (conjuntos de sinapses).

A trégua pós-satisfação nos permite conhecer, por um breve tempo, o que seria o estado de tranquilidade na ausência do desejo. O desejo é uma perturbação que insiste teimosamente e nos abandona após a satisfação, durante a meditação e também após a morte do "eu" correspondente. Na ausência do desejo há paz e felicidade, sem perturbação. Tal é o estado que buscamos alcançar e perpetuar. As pessoas buscam a satisfação do desejo para se livrar do desassossego, pois o desejo incomoda, perturba. A satisfação não é uma forma recomendável de nos livrarmos do problema, há outras muito melhores. Experimentamos de forma positiva tal estado através da meditação e o concretizamos definitivamente através da Morte Mística.

Observe-se nos momentos em que estiver temporariamente livre da perturbação de um desejo específico. Você estará tranquilo, livre em relação àquilo. No entanto, se você conquistou essa paz por meio da satisfação e não pelos meios corretos, saiba que o desejo voltará com muito mais força em breve. À medida que repetir o ato e o satisfazer mais e mais para se livrar do tormento, menores e menos intensos serão os momentos de satisfação, a insatisfação aumentará e mais escravizado você se tornará. Renuncie a esta via funesta e não tente conquistar a paz interior pelo equivocado caminho satisfação, busque-a através da Morte e da meditação.

Se você olhar para si mesmo após a satisfação, verá que se encontra tranquilo em relação ao desejo. Contudo, bastará um simples pensamento ou lembrança relacionados com o objeto desejado para que o elemento psíquico comece a colher força novamente. Sendo assim, o segredo para se manter em tal estado de liberdade espiritual consiste em:

1. Observar a si mesmo nas diversas situações ao invés de se deixar fascinar pelas mesmas (o foco central da consciência é você e as situações são percebidas pela consciência periférica);

2. Adotar tolerância zero com todas as formas de alimentação do desejo, incluindo, principalmente, as manifestações na mente (pensamentos, lembranças), na fala e nas atitudes;

3. Sempre orar à Mãe Divina pela morte de cada detalhe psíquico descoberto.

Preservar o estado de liberdade interior é a meta. Não permitir que os pensamentos criem força é imprescindível e também crucial. A queda do homem começou pelo pensamento e seu resgate também deve começar por aí.

Os egos, sejam detalhes ou não, são criaturas mentais viventes. Quem suprime a alimentação mas não pede a morte dos detalhes alimentadores, não irá longe, apenas adiará um pouco suas manifestações. Quando não oramos à Mãe Divina pela Morte, os detalhes continuam vivos e permanecem molestando.

Um simples pensamento poderá tirá-lo do estado de paz interior em que você talvez se encontra agora. Você está na palma da mão do Buda e daí cairá por uma simples lembrança, um simples pensamento.

A atuação do Ego pode ser comparada ao efeito borboleta: um simples bater de asas pode provocar uma tempestade. Não permita que o inseto bata as asas. A cada vez que o inseto bate as asas, uma tempestade de nutrição e criação de defeitos se forma. Impeça-os de nascer, aborte-os. Vá direto ao ponto inicial, "de onde dependem todas essas coisas" (V.M. Rabolú). Assim você preservará a paz interior.

Procedendo desta maneira, podemos nos firmar mais e mais no Ser, dimuindo progressivamente o domínio dos egos. O Ser é o verdadeiro e legítimo Senhor do corpo físico. O ser humano não foi feito para sofrer, mas sofre porque alimenta a dor dentro de si mesmo.

As quedas e fracassos no trabalho não devem nos perturbar, devem apenas ser usadas como indicadores do momento em que erramos. Os fracassos fazem parte do caminho do sucesso e devem ser tomados com naturalidade, porém sem conformismos e nem passividades.

Você prolongará o estado de paz interior e ausência de desejo se não permitir que os pensamentos comecem a exauri-la.

domingo, 8 de abril de 2012

Concentração: prolongar e desligar-se

Lakhsia é o tema ou objeto da concentração, aquilo em que focalizamos nossa atenção e a respeito do qual estaremos pensando. Se eu me concentrar em uma rocha, a rocha será o meu lakhsia.

Aqueles que querem desenvolver a concentração necessitam dedicar-se a dois aspectos importantíssimos desta prática:

1. a permanência do lakhsia no campo da consciência;

2. o desligamento e o esquecimento de tudo o que não seja o lakhsia, incluindo o corpo físico.

Existe uma consciência central e uma consciência periférica. Às vezes o lakhsia adentra a zona da consciência central, mas outros objetos ainda continuam sendo percebidos pela consciência periférica. Somente quando todos os objetos não incluídos no tema forem completamente esquecidos é que a concentração será plena. A consciência periférica e a consciência central devem perceber somente o lakhsia e tudo o que for intrínseco ao mesmo.

O segredo para aprofundar a concentração e trazer percentuais dispersos de atenção para o lakshia é manter e prolongar a percepção consciente sobre o mesmo. Pensamentos que dizem respeito diretamente ao tema devem ser aceitos, enquanto os pensamentos que não dizem respeito diretamente devem ser abandonados, ainda que possam apresentar alguma relação distante. Não devemos seguir as associações entre temas, o pensamento e a atenção devem fluir sobre um tema único, que é o objeto de nossa concentração.

Se estou pensando em uma coisa, estou concentrado naquilo. Se estou pensando em várias coisas, não estou concentrado em nada, estou disperso. A capacidade de concentração já existe em forma natural e não-desenvolvida em todas as pessoas, é um poder que está atrofiado. Se não existisse o gérmen da concentração nas pessoas, não seria possível desenvolvê-la.

Se quisermos esquecer tudo o que existe, menos o lakhsia, temos que começar por mantê-lo no campo da consciência e prolongar sua permanência. Uma pessoa comum, destreinada, é capaz de inseri-lo no campo de consciência por breves instantes, mas não é capaz de mantê-lo. O que queremos desenvolver é justamente a capacidade de prolongar a permanência no lakhsia.

Aqueles que, como eu, desejam desesperadamente o sucesso nas práticas de concentração e meditação, poderão ficar ansiosos para "segurar o objeto e não perdê-lo". Apesar da intenção louvável, essa ansiedade criará uma tensão que estancará o desenvolvimento, além de provocar algumas dores de cabeça. A permanência no lakshia não é uma questão de fazer força, é uma questão de "saber como". Uma chave: procurar sentir que o lakshia se estabelece na consciência à medida que você relaxa e se entrega cada vez mais à prática. Em outras palavras: você não "prende" o lakshia em seu campo de atenção, você simplesmente permite que ele fique lá. Não há nada adicional a fazer ou a não fazer. O ideal é não fazer esforço de espécie alguma para mantê-lo. Deixe que ele se mantenha por si mesmo. Se houver desvio de atenção, retome o objeto novamente e prossiga.

Manter a atenção focada prolongadamente sobre um objeto é como pegar um hamster com a mão, retirá-lo do chão e colocá-lo sobre uma mesa para observá-lo. Você o deixa lá, sobre a mesa, retira a sua mão e não interfere senão no momento em que ele ameaça descer da mesa. O que você quer é mantê-lo livre sobre a mesa e não segurá-lo ali com a mão.

O simples ato de focar a atenção e prolongá-la, fará com que, gradualmente, os demais objetos sejam esquecidos. No entanto, isso leva tempo e não ocorre imediatamente, como gostariam os ansiosos.

Temos que aprender a prolongar a atenção sem fazer força, o que requer a compreensão de um trabalho psicológico qualitativamente específico e que não sou capaz de descrever. Creio que não existem palavras para descrever o que seria manter a atenção contínua sem estar preocupado em mantê-la. O que importa é prolongar, prolongar e prolongar, de forma despreocupada.

Quanto mais prolongarmos, mais esqueceremos de todo o resto. Chegará um momento em que nada mais existirá para nós, somente o tema do nosso interesse. Tudo o mais terá sido esquecido, estaremos desligados.

Existe a concentração em objetos concretos e a concentração em objetos abstratos. Podemos começar treinando com um som contínuo concreto (físico) prestando atenção nesse som e prolongando sua permanência em nossa consciência. Depois podemos passar para sons alternantes, como os sons de uma música ou o canto dos pássaros. Quando a atenção estiver bem desenvolvida, podemos passar a nos concentrar em objetos abstratos.

Objetos abstratos são objetos puramente internos, psicológicos, e que não são percebidos fisicamente, com os cinco sentidos externos. Dito de outra maneira, são objetos imaginados ou pensamentos escolhidos. Escolhemos alguma coisa boa e dignificante, que nos interesse muito, e começamos a pensar somente naquilo e em mais nada. Deixamos que o pensamento se desenvolva sem se desviar e o prolongamos ao máximo. Conforme o pensamento se prolonga, surgem múltiplas imagens e cenas do objeto, em diversas situações e circunstâncias. Imagens e cenas sobre o lakhsia são aceitas, imagens e cenas sobre outros assuntos são abandonadas. Quando a mente se desvia, a focamos novamente. Assim, a concentração vai se prolongando. As atenções periféricas dispersas vão sendo recolhidas e tudo o mais vai sendo abandonado, esquecido. Concentrar-se é esquecer, abandonar, e é, ao mesmo tempo, acordar para aquilo com que nos ocupamos. É como abrir um aspecto da realidade com uma lupa, para conhecê-lo, estudá-lo e compreendê-lo mais e mais.

Quando andamos por uma cidade grande, ouvimos muitos sons altos e não notamos certos detalhes sonoros sutis. Se nos concentramos em um som fraco e sutil específico, começaremos a perceber detalhes antes não percebidos, nossa audição irá se apurar. A concentração funciona como uma lente, que "abre" ou amplia um aspecto qualquer da realidade para a consciência.

Se você ficar tenso para prolongar a atenção e mantê-la no objeto, irá logo desfocar-se porque sua tensão terá se tornado sua maior preocupação. Até mesmo a preocupação em não desviar-se deve ser abandonada. Quem se preocupa muito em se concentrar acaba transformando essa preocupação em prioridade, em detrimento do verdadeiro lakshia.

Se, em plena prática, ainda estivermos percebendo objetos e temas periféricos, isso indica que a concentração ainda não atingiu o nível máximo esperado. Quando tudo o mais for esquecido, então você estará plenamente concentrado. Estará insensível, surdo e cego para o mundo, mas plenamente consciente do objeto que lhe interessa. E poderá voltar a esta realidade a qualquer momento, bastando para isso querer. Se ficar com medo ou preocupado com o seu retorno, voltará imediatamente. É um estado no qual é difícil entrar mas do qual é muito fácil sair.

Você poderá sentir emoções intensas relacionadas com o lakhsia e isso é normal.

Portanto, prolongar e esquecer são dois pilares fundamentais da prática da concentração.


Somente com o ato de prestarmos atenção em algo já estamos nos concentrando naquilo. Se formos destreinados, a concentração irá durar apenas alguns segundos antes de ser desfocada, mas será uma concentração verdadeira, embora curta. Portanto, quem quiser compreender o que é uma concentração correta e verdadeira deve apenas prestar atenção em algo e saberá o que é concentrar-se. O importante é desligar-se de tudo o que não seja o lakshya.

Evite fazer esforços para aprofundar e prolongar a concentração, apenas receba o objeto com suavidade, perceba-o conscientemente. Deixe que a concentração se aprofunde por si mesma. Se a mente desviar-se do tema, traga-a de volta.

Concentração não é contração. Cuidado com a semelhança entre as duas palavras. A semelhança entre os termos pode nos influenciar subconscientemente e nos induzir a associar concentração com esforços mentais violentos. Um esforço mental violento produzirá tensão muscular e dores de cabeça. O conflito com a mente estanca a prática da meditação.

Aprofundar a concentração não é fazer força para concentrar-se mais, é esquecer o que ainda não foi esquecido.

E normal que surjam pensamentos de todos os tipos, inclusive pensamentos do arco da velha, relacionados com fatos da infância ou de anos deixados para trás. Eles surgem para que você os esqueça. Não lhes dê importância. Dissocie-se das lembranças e dos pensamentos, atenha-se somente ao tema.

Quando procuramos nos concentrar, pensamentos de todo tipo e os mais absurdos desejos e emoções (consequências de tais pensamentos ou recordações) podem atravessar o nosso caminho. Isso é absolutamente normal e não deve causar preocupação. O praticante não deve preocupar-se com tais pensamentos e lembranças e nem ocupar-se com os mesmos para combatê-los, por mais absurdos e inaceitáveis que sejam. Deixe que eles passem e desapareçam. Não tente reprimi-los e nem tampouco os reforce, fique indiferente, neutro, não seja contra e nem a favor, não reaja aos mesmos. Se cometer o erro de lhes prestar atenção, ficará identificado e os reforçará. O melhor é simplesmente dissociar-se, esquecê-los e continuar mantendo a atenção e a mente sobre o lakshya.