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quarta-feira, 27 de abril de 2011

A disciplina e a vontade na aplicação do livre arbítrio interior

Quando descubro um detalhe comportamental indesejável e peço por sua morte, conquisto uma pequena porção de livre arbítrio. Se deixo de continuar realizando o ato correspondente a partir de então, estarei impedindo aquele detalhe de voltar à vida. Se torno a fazer a mesma coisa, estarei trazendo o defeito novamente à vida.
Somente à medida que conquistamos livre arbítrio interior podemos nos dar ao luxo de não mais fazer o que antes fazíamos. E somente conquistamos o livre arbítrio se o defeito (ou sua faceta) morrer. Deixar de fazer o que sempre se fez, sem compreender o quão prejudicial é aquilo, é adotar um procedimento repressivo, bloqueador. A verdadeira morte se dá paralelamente à aquisição de livre arbítrio interior. Se alguém tem muito vícios, deve continuar com eles e observá-los, ao invés de forçar uma mudança artificial do dia para a noite (pois de todas as maneiras, tal mudança será falsa, pois ninguém muda assim). Tais mudanças são meros fingimentos para si mesmos e para os outros, e não são duradouras. A verdadeira mudança vem com a compreensão.
Sorrir diante de quem nos irrita, estando interiormente cheio de ira e ódio, não é mudar. Tentar sufocar a raiva que se sente, segurando-a pela força, em bruto, não é mudar, e criar uma bomba relógio que explodirá cedo ou tarde, de uma forma ou de outra, seja sob a forma de um ataque de fúria, seja sob a forma de um ataque cardíaco, seja sob a forma de qualquer outra doença psicossomática.
Mudar superficialmente, por fora, é fingir. Virtudes fingidas e forçadas são mero cultivo da resistência. Queremos a transformação verdadeira e não a conseguimos por meio da resistência. Resistir aos desejos não é eliminá-los. Queremos a morte verdadeira, o enfraquecimento e a morte completos daquilo que nos perturba e nos tortura. Os recalques são procedimentos de mudança superficial, aparente. A verdadeira morte não é fingimento, não é repressão ou recalque. É realizada por uma parte superior do Ser (Mãe Divina) sobre o Eu. É isso o que buscamos.
Resistir ao Eu não é matá-lo. Observar o Eu sem identificação e pedir pela morte de cada faceta descoberta sim, provomerá a morte verdadeira.
Suprimir detalhes do comportamento antes da Morte é recalcá-los. Suprimi-los durante e depois da Morte é exercer o livre arbítrio conquistado.
O fato de não reprimirmos os desejos não significa que não iremos adotar firmes resoluções, vontade de aço e tenacidade de ferro em sentidos específicos; significa, isso sim, que os empregaremos na direção correta. No trabalho interior não deixamos as coisas à deriva e nem esperamos que tudo aconteça enquanto ficamos de braços cruzados.
O fato de não reprimirmos os desejos não significa que os mesmos atuarão livremente, se alimentando à vontade, sem que nada atue sobre os mesmos e os enfraqueça. A observação consciente lhes despotencia e a Mãe Divina os decapita.
A consciência tem um poder desinfectante sobre o psiquismo que substitui plenamente o mecanismo repressor.
A vontade de aço estará corretamente empregada se for aplicada no sentido de não reprimir mas, ao mesmo tempo, observar e pedir. A disciplina empregada para a repressão é prejudicial, mas a disciplina empregada para a compreensão é útil.
A disciplina para resistir é contrária ao auto-conhecimento. Necessitamos de uma disciplina favorável aos nossos interesses: disciplina rigorosa no sentido de permitir o livre afloramento dos conteúdos inconscientes, de não nos identificarmos com tais conteúdos, de observá-los com plena consciência e lucidez e orar pela dissolução de tais conteúdos.
No campo em que possuímos livre arbítrio interior (liberdade emocional do comportamento), temos toda a capacidade de NÃO FAZER algo, mas isso não significa que sempre devamos evitar fazer aquilo, tudo dependerá das circunstâncias. Se algo alimentar ou criar um defeito, não devemos realizá-lo, mas se for inofensivo e não reforçar em nós nada prejudicial, não há problema em realizá-lo. A consciência é o melhor guia.
Quando descobrimos um ato que alimentava um defeito e o eliminamos, dali para frente poderemos continuar a realizá-lo ou não, tudo dependerá do seguinte:
1. Se o ato prejudica a nós mesmos ou a outras pessoas;
2. Se o ato irá alimentar ou (re)criar defeitos.
A reflexão sincera (Reflexão Evidente do Ser) é que nos dá a orientação no momento e nos permite saber se devemos ou não continuar a realizar o ato. Certos atos podem e devem ser realizados após a morte do defeito correspondente, outros atos não.
Há atos que nutrem defeitos mas não podem ou não precisam ser suprimidos de nossa vida, mesmo após a dissolução dos Eus correspondentes. Neste caso, devemos passar a realizá-los conscientemente, pois então uma parte do Ser se ocupa em realizá-lo sem causar danos (ex. ser carinhoso com a esposa). Já outros atos, ao contrário, não podem permanecer em nossa natureza pois impossibilitam avanços posteriores e nos estancam (ex. frequentar prostíbulos, masturbar-se ou ver filmes pornográficos). Não nos orientamos pela moral, a moral nos é inútil. Nos orientamos pelo prejuízo: o que prejudica a nós ou aos demais, o que nutre ou cria defeitos, precisa ser retirado. Portanto, o livre arbítrio deve ser exercido com consciência.
Quando não se tem livre arbítrio e se é impelido a realizar um ato, o melhor a fazer é não reprimi-lo e separar-se do mesmo para observá-lo, ver-se em cena. Quando se conquista o livre arbítrio, porém, o ato deve ser realizado somente se não ocasionar nenhum prejuízo a ninguém.
Além disso, após compreendermos que determinada conduta é prejudicial e não nos traz benefício algum, não resta alternativa além de tomarmos a firme resolução de não a repetirmos mais e exercer tal resolução por meio da vontade poderosa e decidida. Aqui há um ponto importante a ser considerado.
Se, após o enfraquecimento ou eliminação de um ego, nos identificamos novamente com pensamentos correspondentes, iremos fortificá-lo ou recriá-lo. O mesmo valerá para os atos: atos que nutrem um defeito irão reforçá-lo ou recriá-lo após seu enfraquecimento ou eliminação. Se você enfraqueceu o poder da luxúria e em seguida começar assistir a filmes pornográficos, irá fortificá-la novamente. Se começar a pensar em sexo e fantasiar, o mesmo acontecerá. À medida que um defeito vai sofrendo enfraquecimento, temos que empregar a vontade libertada (livre arbítrio interior) para não fortificá-lo novamente ou perderemos todo o trabalho. Não nos interessa andar em círculos, enfraquecendo e fortificando os mesmos vícios eternamente, almejamos a liberdade interior definitiva.
Que ninguém suponha, portanto, que removemos os mecanismos repressivos para nos entregarmos à identificação, ao hedonismo, ao desenfreio, à satisfação dos desejos. Os removemos com o único intuito de observá-los e compreendê-los, nada mais.
Assim, não empregamos a vontade férrea para reprimir o ego, mas para observá-los de fora, sem identificação, para orar por sua morte e para, à medida que a conduta prejudicial se enfraquece, adotar novos comportamentos.
Toma a resolução firme de, por exemplo, não alimentar de modo algum a luxúria amanhã, durante todo o dia. Então você compreenderá que é capaz, terá comprovado seu poder e poderá tomar outras resoluções posteriores, cada vez mais rigorosas. Essa é a disciplina correta, que não é voltada para o cultivo das resistências e recalques.
É importante aplicar e exercitar a vontade para que saibamos quais são nossas verdadeiras capacidades. Temos capacidades que ignoramos, somos capazes, por exemplo, de praticar a magia sexual corretamente por certo tempo, de praticar a concentração em um copo com água por vários dias sem falhar, de cortarmos toda a alimentação de um certo defeito por um determinado número de dias, mas não o fazemos por desconhecer tais capacidades. Temos que traçar nossa própria disciplina já, sem esperar para depois. É claro que a disciplina traçada tem que manter-se dentro de nossas capacidades. Seria absurdo traçar uma disciplina que não suportamos. À medida que nos acostumamos, podemos ir "apertando os parafusos", gradualmente. A disciplina é elaborada pela própria pessoa, por nós mesmos, e não por outros. Não fiquemos perdendo o tempo, esperando que algum mestre nos diga o que fazer ou que disciplina traçar. Tracemos nossa própria disciplina e a tornemos cada vez mais severa.

9 comentários:

  1. Mas existe uma parte neste artigo que se não tomarmos cuidados podemos nos perder.

    Ao que se diz repressão e resistência pelo sinônimo das palavras.

    Não devemos criar resistência perante nossos inimigos egos. Devemos observá-lo e fazermos a oração como dito, e que com tempo nossa observação não será de crivo analítico meramente racional, da mente e do corpo, mas do sublime do superior.

    Porém quando você escreve.

    "Toma a resolução firme de, por exemplo, não alimentar de modo algum a luxúria amanhã, durante todo o dia. Então você compreenderá que é capaz, terá comprovado seu poder e poderá tomar outras resoluções posteriores, cada vez mais rigorosas. Essa é a disciplina correta, que não é voltada para o cultivo das resistências e recalques."

    Eu achei contraditória, porque querendo ou não você aplica uma especie de resistência uma disciplina ligada a resistência. Firmeza é resistir. Ser firme é ser resistente e a repressão também é uma resistência.

    Vou dar exemplo do meu ponto de vista, quando eu fazia artes marciais.

    Eu fazia 30 flexões e com tempo ia aumentando a capacidade de fazer mais flexões. Este é um exercício de resistência, onde aumenta a capacidade do meu corpo de resistir. Aumentar a perna até certa altura, com tempo ir aumentando um pouco mais, também é outro exercício no qual aplico a resistência. Resistir aqui entendo como aguentar, suportar, e também fazer força inicial. Resistir também se compara a pegar força pela resistência, potencializar a resistência a algo ou alguma coisa, força humana.

    Vamos analisar as ferramentas que temos em mão para morte do ego.

    Auto-observação inicialmente analítica, a pratica continua não seria um exercício de resistência para potencializar este centro?

    Bom vou resumir para não ficar extenso, mas a não-ação não seria uma especie de resistência contrária?

    Sobre a linha de perigo:
    Criar um tipo de resistência para esquecer o ego. Levar o ao esquecimento e orar.(Potencializar o esquecimento). Isso após todo processo sentinela inicial de observações do ego, identificação e anotações.

    Resistir o ego durante o dia, usando a força psíquica natural para esquecer, ou reprimir , não seria forças similares da mente?

    Não causaria desgaste físico? desgaste mental? Envelhecimento precoce? Doenças da mentais?

    Sabemos que a maioria das pessoas que praticam exercícios físicos as vezes aumenta sua dosagem na capacidade de resistir. E que também acontece de que mesmo que o nosso corpo tenha capacidade de resistir certa quantidade de exercícios , pode meramente enfraquecer e o mesmo não suportar essa capacidade. O resultado dos exercícios físicos,mesmo sendo mais capacidade de resistir e se tornar forte, também são dores no corpo e as vezes caibras e que passam após um banho gelado e uma boa noite de sono. E não é sempre assim que se firma. Mas a mente ela é diferente, por ser uma área extremamente delicada e responsável por outras partes físicas/psíquicas, o cansar mental leva ao stress, envelhecimento precoce, neuroses, e nem sempre somos capazes de analisar a capacidade de resistir, diferente de um exercício físico que vemos e sentimos com exatidão numérica uma dor ou cansaço no qual não suportamos então descobrimos nosso limite, a mente não funciona não similar ao corpo. Pois uma pessoa pode resistir até morrer mentalmente sem se dar conta.

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  2. É que se trata de uma resistência contra a resistência.
    Obviamente, chegará o momento em que até mesmo essa disciplina contra a resistência, também ela uma forma de resistência, terá que ser suprimida. Mas por ora ela serve como meio para comprovarmos que os impulsos enfraquecem quando os vivenciamos conscientemente, sem resistir-lhes e sem nos identificarmos. Entendido?

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  3. Amplio mais: no campo em que você já conquistou livre arbítrio interior, você pode perfeitamente fazer ou deixar de fazer algo, pois está livre. Então pode exercer este livre arbítrio sob a forma de uma determinação da vontade que tenha resultados interessantes. Comprovar o poder que se tem de realizar algo enche a pessoa de fé em sua própria capacidade e a capacita a ir bem longe.

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  4. Por exemplo: você somente saberá que tem a capacidade de realizar um mantram para sair em astral todas as noites por um determinado número de dias (que não te moleste) se decidir levar esse projeto à prática. Caso o leve, então descobrirá quantos minutos por noite e por quantas noites seguidas você suporta realizar esse mantram SEM FORÇAR-SE. Aí, estará exercendo o seu livre arbítrio sem necessidade alguma de resistir à preguiça. Nesse ínterim, poderá observar sua preguiça se ela surgir, sem bloqueá-la.

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  5. À medida que for compreendendo e enfraquecendo a preguiça (naturalmente, sem agredir-se), poderá aumentar o número de noites seguidas até onde desejar. Se, no entanto, você não se decidir (firme resolução) a observar sua preguiça espontaneamente, não irá avançar nunca e ficará sempre no mesmo patamar.

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  6. De qualquer forma é preciso de cautela.
    Eu começarei tudo do zero, pois ainda não descobri onde estou errando, seu eu apertar o sabonete e ele escapa da minha mão.

    Existe algum processo de regeneração dos centros? Proteção psiquica, reenergizar para não ser tomado pelo frio lunar?

    Nos livros gnosticos qual sequencia devos ler, Samael e Rabolu?

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  7. Tanto faz ler Samael ou Rabolú primeiro.

    Regeneração dos centros: somente pela morte do ego, meditação e magia sexual, não há outro meio.

    Você sempre começa do zero e procura recomeçar do zero radical todos os dias, sempre, porém em oitavas ascendentes.

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  8. oitavas ascendentes.

    O que vem a ser?

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  9. Escalas de intensidade cada vez mais altas, alcançadas pelo entusiasmo crescente que nos dá cada vez mais força.

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