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sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Observando o "desimportante"

Compreendemos um defeito quando, dirigindo conscientemente a atenção sobre nós mesmos, buscamos: quais pensamentos o alimentam? Quais sentimentos? Que atitudes o reforçam? Quais movimentos? Que formas de falar, agir, andar, formas de vestir-se, e muitíssimo mais, estão a ele relacionadas e o nutrem? Que traços comportamentais o favorecem ou estão a ele diretamente relacionados?

Suponhamos que tenhamos medo da morte. Vários pensamentos relacionados a tal medo passarão por nossa cabeça e vários sentimentos os acompanharão. Poderemos ser assaltados por sentimentos aparentemente desconectados dos pensamentos, mas de algum modo vinculados ao defeito em si. Nossa mente poderá disparar e imaginaremos mil coisas. Teremos atitudes e falas direcionadas para o reforço deste defeito. Todo defeito é um universo imenso a ser explorado de muitas maneiras, isto é, conhecido por muitas vias.

A todo momento estamos nutrindo nossos defeitos sem perceber. Existem múltiplos canais de nutrição que atuam fora do holofote de nossa consciência. São canais normalmente invisíveis, mas que se tornam visíveis quando passamos a buscá-los intencionalmente no cotidiano por meio da auto-observação. O motivo pelo qual não os percebemos é porque os consideramos desimportantes e inofensivos. Negligenciamos muitos elementos por os concebermos como desvinculados dos defeitos que nos prejudicam. Então a compreensão não avança.

Vejamos um exemplo. Incorrem em erro aqueles que tentam eliminar somente a luxúria e deixam de lado os demais egos. Se o fizermos, estaremos renunciando à oportunidade de resgatar porções de essência e ampliar a consciência, o que nos daria mais força para enfrentar o inimigo maior.

Recusar-se a resgatar a essência engarrafada nos defeitos distintos da luxúria é recusar-se a aumentar a força espiritual que permitiria enfrentá-la com eficiência. Uma comparação: seria como um general que se limita a combater somente o inimigo maior e se recusa a combater inimigos muito mais fracos e fáceis de serem vencidos, o que lhe permitiria preender armas e mantimentos com os quais se tornaria mais forte. Ao combatermos "eus" não luxuriosos, adquirimos mais força, pois resgatamos essência engarrafada.

Na Morte em Marcha, não há nada depreciável: tristezas, frustrações, empolgações, receios, irritações etc. são defeitos que podem e devem ser dissolvidos.

Nossos defeitos se alimentam por comportamentos inofensivos, que nos parecem absolutamente normais e aceitáveis. Comportamentos que acreditamos ser desimportantes ou até benéficos podem estar nutrindo eus perigosos. Temos, então, que aprender a observar nossos atos em busca de facetas inofensivas que nutrem os egos.
Diante de um ato comum, temos que nos perguntar: "Estará este ato nutrindo algum defeito? Estará ele vinculado a algum ego prejudicial?" Atos aos quais não damos importância não podem passar desapercebidos.

É justamente por não percebermos os atos que consideramos sem importância que os mesmos prosseguem vivendo livremente e reforçando egos despóticos que tanto nos atormentam e nos fazem sofrer.

Temos que aprender a observar o "desimportante", aquilo que acreditamos que não é defeito, os atos comuns, que todos aceitam. Ali se esconde o delito.
Sobre este pormenor, diz o V.M. Rabolú:

"Como se compreende a ira, o orgulho, se tem milhares de manifestações diminutas que se crê que não é nada? E, sim, é, porque daí se está alimentando o ego." (A Águia Rebelde, cap. II, p. 32, 1ª edição, São Paulo: Movimento Gnóstico Cristão Univesal do Brasil na Nova Ordem, julho de 1995)

Cremos que as várias manifestações da ira não são nada, ou seja, acreditamos que não possuem importância. O ego nos engana, age livremente fora do campo de nossa consciência. Comportamentos inofensivos podem ser defeitos disfarçados.

Isso não significa que tenhamos que ficar neuróticos com todas as coisas inocentes que fazemos. Temos que combater somente os comportamentos inofensivos que nutrem os egos e não todos os comportamentos inofensivos que existem. Se você não percebe vínculo algum de um comportamento com um ego, não tem porque pedir por sua eliminação.

Um comportamento "desimportante" será um delito somente se nutrir algum defeito, caso contrário não.

Os atos, frases, pensamentos e emoções podem nos parecer completamente aceitáveis, inofensivos, desimportantes, comuns e, não obstante, estarem reforçando um defeito. Até o inofensivo ato de beber água poderá estar reforçando algum defeito, dependendo da situação em que aconteça (Ex. suponhamos que você escolha para beber água, tendo outras opções, exatamente o lugar ou momento em que esteja uma pessoa com quem você queira fornicar) .

Temos, assim, que explorar a nossa vida. Mas isso não o faremos teorizando, elocubrando ou pensando a respeito. Temos que aprender a fazê-lo praticamente, por meio da observação. A observação será educada neste sentido, por meio da prática, e se desenvolverá, refinará e se tornará altamente sensível. Quanto mais a utilizarmos, mais sensível se tornará, captando rapidamente sutis manifestações e identificando o que nutre os defeitos. Falas, palavras, frases, olhares, movimentos, emoções tênues, recordações, sorrisos, gargalhadas etc. serão facilmente percebidos pela consciência. É importantíssimo não descuidarmos da fala, pois a palavra alimenta muitos erros.

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Quando nosso sentido de auto-observação ainda não está desenvolvido, não percebemos as sutis e refinadas manifestações do Ego, percebemos somente as manifestações mais grosseiras. As manifestações sutis, que são as que nutrem as manifestações grosseiras, ocorrem sem que as percebamos. Temos que aprender a dirigir a atenção para o sutil, o leve, o imperceptível.

Se começamos a prestar atenção no sutil, nos daremos conta de que estamos nutrindo as manifestações grosseiras a todo momento, por todos os centros. Então podemos retirar tais manifestações, mediante a Morte em Marcha, e constataremos que as manifestações grosseiras perderão o vigor.

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